domingo, 21 de fevereiro de 2010

Análise de Risco como ferramenta para revisão dos requisitos de segurança operacional - Parte 1

Tem se tornado cada vez mais freqüente a utilização da análise de risco em suporte às mudanças nos regulamentos nacionais, na área da aviação civil. Os países que se utilizam adequadamente desta abordagem buscam estabelecer requisitos de segurança operacional diferenciados para cada segmento ou parcela de provedores no intuito de alcançar o melhor resultado global possível de segurança operacional de todo o sistema de aviação civil nacional.
Atualmente, como parâmetro de análise para o estabelecimento dos níveis desejados de segurança operacional, em muitos casos, são avaliados os dados históricos de acidentes e incidentes aeronáuticos, embora sejam notórias as dificuldades de avaliar tais dados em virtude dos índices serem muito reduzidos e haver um pequeno volume de eventos, ainda que sejam considerados todos os dados disponíveis em bancos de dados de acidentes e incidentes em todo o mundo. Alguns estudos arriscam-se a extrair conclusões de amostras diminutas e nada representativas. Infelizmente, situações como estas são comuns no terceiro mundo (no Brasil inclusive), onde estudos de duvidosa qualidade técnica ganham notoriedade para atendimento de interesses “específicos”.
Passando aos aspectos econômicos envolvidos, quando se realiza uma análise séria e profissional dos impactos da mudança de requisitos de segurança operacional, deveria ser levado em conta os custos da implementação dessas mudanças, bem como os custos dos acidentes, estimando os prejuízos materiais, despesas com os sobreviventes e com perdas de vidas humanas. Outros custos podem ocorrer no longo prazo, por exemplo, os prejuízos com a redução da confiabilidade nos provedores envolvidos no acidente.
Análise desta natureza requer, também, a avaliação dos benefícios das alterações desses requisitos de segurança operacional tais como eventuais ganhos de produtividade, redução nos níveis de acidentes e aumento da confiabilidade dos usuários.
Pois bem, depois de coletados todos estes dados e informações ainda faltarão alguns parâmetros de referência sobre o que é aceitável, em nosso cenário, para os usuários do transporte aéreo brasileiro. Um importante parâmetro de referência, poderíamos nomear como o “custo da vida humana”, que varia enormemente de país para país, mas, convenhamos, a intuição nos leva a crer, por exemplo, que o custo da vida de um cidadão americano é maior do que a de um cidadão brasileiro. Para citar uma referência há um trabalho do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) de 2006, que aponta o valor no Brasil como sendo US$ 0,68 milhões e nos EUA, US$ 3,47 milhões, ou seja, de acordo com este trabalho do BID, o valor da vida nos EUA é 5 vezes maior do que no Brasil.
Diante de tudo até aqui exposto poderíamos, então, chegar a conclusão de que ao empregar as análises de risco para ajustes nos requisitos das normas no Brasil teremos a indicação da aceitabilidade de níveis que colocariam a segurança operacional da aviação civil neste País em patamar consideravelmente inferior à praticada nos EUA.

É algo para pensar...

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

El aeropuerto más moderno de latinoamerica.

Há poucos anos passados tive a oportunidade de participar de uma cerimônia de inauguração em um país de nossa América Latina, que prometia marcar o início das operações de um novo e moderno aeroporto internacional.
Informações de boca em boca transmitiam dados sobre os valores envolvidos na grande obra realizada, que remontavam cifras da ordem de centenas de milhões de dólares. O “novo aeroporto”, diziam, estava há pouco tempo com uma administração privada, cumprindo promessa do governo de virar a página da aviação civil do país.
Ao chegar ao local da cerimônia, confesso, fiquei impressionado com a beleza arquitetônica do terminal de passageiros. Os detalhes da estrutura metálica que se lançava ao ar com vigas belíssimas vencendo enormes vãos e elementos estruturais de distribuição das cargas nos diferentes pisos mereciam, como tributo à beleza, o dispêndio de longos minutos de observação.
Enquanto admirava a beleza da construção, eu era encaminhado por amplos corredores climatizados, cuidadosamente decorados com pinturas e esculturas de artistas locais, que levavam às salas de embarque internacional.
Ao chegar ao local onde estava montada a recepção, encontrei um dos diretores da empresa que administrava o aeroporto e, após agradecer-lhe a gentileza do convite, esbanjei elogios àquela bela obra. Meu sorridente anfitrião empolgou-se com o meu entusiasmo e agarrou-me pelo braço para apresentar-me outras áreas, explicando a função planejada para cada uma delas.
Ao chegar a um amplo ambiente com lateral envidraçada e visão externa, pude colocar meus olhos sobre quase toda a área de movimento de aeronaves e fiquei surpreso com a contrastante visão. A pintura de boa parte do pátio de aeronaves, da pista de taxi e da pista de pouso, até onde alcançava minha visão, estava totalmente desgastada, parecendo nem mesmo existir em vários pontos. Elevações do terreno em extensa área paralela e próxima às pistas bloqueavam a visão de pelo menos um terço da pista de pouso. Hangares e diversas pequenas construções em alvenaria, postes de linhas de energia elétrica e outras estruturas coalhavam áreas que supostamente deveriam estar desimpedidas. Pelas margens do pátio de estacionamento de aeronaves trafegavam inúmeros veículos que não pareciam operacionais. A pista de pouso era muito próxima ao pátio de estacionamento de aeronaves e aquela situação levou-me a questionar meu anfitrião sobre se havia algum planejamento de obras, também, para área de movimento. A resposta não poderia ser mais esclarecedora: ele disse que a empresa havia assumido a administração do terminal de passageiros e que pátios e pistas permaneciam sob a responsabilidade do governo, desconhecendo eventuais obras planejadas. Percebendo a súbita diminuição do meu entusiasmo, meu anfitrião tentou resgatar minha animação afirmando: “Pero, con la nueva terminal aérea tenemos el aeropuerto más moderno de latinoamerica”.
No dia seguinte, os principais periódicos locais estampavam a novidade, corroborando as palavras do meu anfitrião de que o país, agora, possuía um “nuevo” aeroporto internacional comparável aos melhores do mundo. Mais ainda, nas páginas internas havia entrevista com uma autoridade governamental que enaltecia os resultados alcançados com a privatização do aeroporto e que, com a inauguração do terminal, estava plenamente cumprida a exigência contratual de prover os passageiros que embarcavam e desembarcavam naquele país com um serviço de qualidade equivalente à oferecida nos melhores aeroportos do mundo.
Pois bem, tudo indicava que a iniciativa privada estava cumprindo com o papel que lhe foi atribuído. Mas, era evidente de que alguém não estava cumprindo o seu dever. Alguns dias depois pude constatar, “in loco”, que os problemas na área de movimento de aeronaves daquele aeroporto eram bem mais extensos e graves do que havia revelado minha visão.
Tudo isto me fez lembrar as aulas de história, algumas décadas atrás, quando o Prof. Farina definia história como “uma sucessão de fatos que se repetem ao longo do tempo”. Sendo assim, fico pensando cá com meus botões: qual será o aeroporto brasileiro que ganhará destaque como “El aeropuerto más moderno de latinoamerica”?

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Conforto no Terminal de Passageiros em detrimento dos aspectos de safety e security

Nos posts anteriores, foram destacadas algumas evidências de que o Sistema Aeroportuário brasileiro gera recursos em volume superior à capacidade demonstrada nos últimos anos pelo governo de efetivamente utilizá-los em proveito da expansão e modernização deste sistema.
Foi, também, destacado que a opção pela inserção de entidades privadas na gestão aeroportuária nacional é uma opção válida para superar as limitações do governo na gestão eficaz da INFRAERO, embora não sendo compreensível a ausência de esforços que poderiam tornar a INFRAERO uma empresa de fato, livre de intromissões políticas.
Pois bem, não é produtivo discutir-se temas que parecem já ter um destino marcado em cartas que parecem estar cuidadosamente guardadas para exposição, no momento apropriado.
Ocupemo-nos, pois, em exercitar aspectos que não poderiam deixar de ser considerados, seja lá qual for o destino que está delineado nas misteriosas cartas.
Para começo de conversa, é preciso relembrar que a Lei 11.182/2005, que criou a ANAC, coloca a Agência na posição de Órgão Regulador do Sistema Aeroportuário, competindo-lhe estabelecer os requisitos para a adequada prestação dos serviços e fiscalizar seu cumprimento. Tais requisitos compreendem as referências para a garantia de níveis mínimos de segurança operacional (safety) e de níveis mínimos, compatíveis com o nível da ameaça, na segurança contra atos de interferência ilícita (security).
Identifica-se, portanto, dois elementos basilares de toda a estrutura que dará suporte às atividades dos provedores de serviços do sistema aeroportuário: em primeiro lugar, a edição dos regulamentos, por parte da ANAC, com o estabelecimento dos requisitos de safety e de security e de material de suporte complementar, para auxiliar os provedores na implementação destes requisitos. O segundo, trata-se da permanente fiscalização da ANAC sob todo o universo de provedores que atuam no Sistema Aeroportuário, para assegurar a existência de adequados níveis de safety e de security nas atividades aeroportuárias.
Desta forma, antes da implementação de um processo de concessão de aeroportos à inciativa privada, é preciso estabelecer, com urgência, sólida regulamentação técnica para o setor, bem como estabelecer mecanismos para uma efetiva e permanente fiscalização dos provedores aeroportuários.
Por outro lado, seria ingenuidade não considerar que todas as decisões desta magnitude têm componentes políticas, porém, tais componentes já estão devidamente contempladas no papel do Conselho Nacional de Aviação Civil (CONAC), colegiado de autoridades do Executivo Federal a quem compete estabelecer o modelo de concessão de infra-estrutura aeroportuária, a ser submetido ao Presidente da República.
É, igualmente imprescindível, não se olvidar o que sabiamente o legislador fez constar do diploma legal que criou a Agência Reguladora da Aviação Civil do Brasil, atribuindo à ANAC a participação, junto ao CONAC, no processo de estabelecimento do modelo de concessão de infra-estrutura aeroportuária e a competência de conceder a exploração desta infra-estrutura.
Não paira, portanto, qualquer dúvida de que o caminho correto para uma boa gestão do sistema foi delineado pelo legislador, desde que a ANAC cumpra suas responsabilidades na edição de sólida base de regulamentação técnica para o Sistema Aeroportuário e na fiscalização dos seus provedores, assim como desde que seja cumprido e respeitado o papel independente daquela autarquia federal.
Cumpre-me, porém, manifestar o temor de que, durante o processo de elaboração do modelo de concessão, as ingerências em temas de responsabilidade intransferível da ANAC acabem por levar ao estabelecimento de parâmetros de avaliação dos futuros concessionários dos aeroportos brasileiros que não considerem, com suas devidas importâncias, os aspectos de safety e de security. Seria inadequado, por exemplo, privilegiar parâmetros de conforto dos passageiros nos terminais, em detrimento de outros parâmetros que zelem pela observância de requisitos operacionais que proporcionem os níveis mínimos de safety no lado ar. Não se nega a relevância de se exigir conforto nos terminais, entretanto, deveria ser conferido um peso significativamente maior aos aspectos relacionados à preservação da vida humana.
É compreensível que um passageiro avalie a qualidade do provedor pelo conforto percebido na sala de embarque e não perceba o valor de uma adequada manutenção do pavimento aeroportuário. No entanto, seria imperdoável ver agentes públicos míopes ou seduzidos pelos objetivos imediatos de políticas oportunistas desconsiderarem ou menosprezarem aspectos essenciais para a garantia de níveis mínimos de safety e de security nos aeroportos brasileiros.
Oxalá, sejam infundados meus temores e que nunca se confirmem.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Gestão privada como alternativa à incapacidade do governo na gestão da INFRAERO

Os dados apresentados no post de 7 de fevereiro indicam que o sistema aeroportuário gera recursos que poderiam estar sendo aplicados no melhoramento e na expansão do sistema e que, simplesmente, não são aplicados.
Fica, portanto, comprometida a tese de que a iniciativa privada “trará recursos para os aeroportos” porque, em verdade, como declarado por um administrador de um aeroporto privatizado da América Latina, “o que a iniciativa privada faz é emprestar sua expertise na administração dos recursos existentes e que são gerados pelo próprio sistema”.
Com isso, ganha força a tese de que a participação privada na gestão dos aeroportos é a solução possível diante da incapacidade do governo em administrar com eficiência e eficácia uma Empresa como a INFRAERO.
Pois bem, se é por esta última razão exposta a insistência em passar para a iniciativa privada a gestão de aeroportos como o Galeão e Campinas, tudo bem, parece fazer sentido... São fartas as referências na mídia envolvendo supostos desvios de recursos em obras da INFRAERO, o inchaço da folha de pagamento para acomodar apadrinhados, a falta de implementação dos planejamentos aeroportuários, com a ausência de ordenação lógica dos investimentos para atendimento de interesses políticos, distantes das necessidades reais do sistema aeroportuário.
No entanto, ainda tento entender os porquês de não ter sido aventada a hipótese de o governo demonstrar que possui competência administrativa, tornando a INFRAERO uma empresa de fato, ainda que estatal, porém sob a administração de técnicos competentes, que a própria empresa os possui, e que não sejam meros serviçais de interesses políticos.
Seja qual for a decisão que se tome a respeito, espero que não fique relegado a um segundo plano a segurança das atividades aeronáuticas. Mas... isto é assunto para outro post.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Será que faltam recursos para investir na infra-estrutura aeroportuária?

Muito se fala sobre a necessidade de participação privada na gestão dos aeroportos como forma de superar a carência de recursos para investimentos na infra-estrutura aeroportuária.
No entanto, pesquisando no sistema do Senado Federal (SIGA Brasil), que nos permite acesso aos dados de elaboração e execução do Orçamento Geral da União (OGU), temos:

a) Em 2009, o OGU alocou R$ 429 milhões para o Programa 0631 (Desenvolvimento da Infra-Estrutura Aeroportuária) e empenhou R$ 320 milhões (não empenharam R$ 109 milhões). Em 2008, foram alocados R$ 398 milhões ao Programa 0631 e empenhou-se R$ 247 milhões (não empenharam R$ 151 milhões). Em 2007, de R$ 309 milhões alocados ao Programa 0631, foram empenhados apenas R$ 185 milhões (deixaram de empenhar R$ 124 milhões). Ou seja, em três anos o Governo Federal deixou de aplicar R$ 384 milhões previstos no Programa 0631.
b) Se aos valores acima forem somados os valores extraidos do sistema de aviação civil em cobranças na tarifa de embarque internacional (Lei 9825/99), que representaram R$ 253 milhões em 2009, R$ 305 milhões em 2008 e R$ 209 milhões em 2007, totalizando R$ 767 milhões, alcançamos a impressionante cifra de R$ 1,1 bilhões.

Considerando apenas de 2007 a 2009, o Governo Federal retirou do sistema de aviação civil R$ 1,1 bilhões, apesar da evidente necessidade de se investir na infra-estrutura aeroportuária nacional.

Será que há falta de recursos ou há outras razões?