Nos posts anteriores, foram destacadas algumas evidências de que o Sistema Aeroportuário brasileiro gera recursos em volume superior à capacidade demonstrada nos últimos anos pelo governo de efetivamente utilizá-los em proveito da expansão e modernização deste sistema.
Foi, também, destacado que a opção pela inserção de entidades privadas na gestão aeroportuária nacional é uma opção válida para superar as limitações do governo na gestão eficaz da INFRAERO, embora não sendo compreensível a ausência de esforços que poderiam tornar a INFRAERO uma empresa de fato, livre de intromissões políticas.
Pois bem, não é produtivo discutir-se temas que parecem já ter um destino marcado em cartas que parecem estar cuidadosamente guardadas para exposição, no momento apropriado.
Ocupemo-nos, pois, em exercitar aspectos que não poderiam deixar de ser considerados, seja lá qual for o destino que está delineado nas misteriosas cartas.
Para começo de conversa, é preciso relembrar que a Lei 11.182/2005, que criou a ANAC, coloca a Agência na posição de Órgão Regulador do Sistema Aeroportuário, competindo-lhe estabelecer os requisitos para a adequada prestação dos serviços e fiscalizar seu cumprimento. Tais requisitos compreendem as referências para a garantia de níveis mínimos de segurança operacional (safety) e de níveis mínimos, compatíveis com o nível da ameaça, na segurança contra atos de interferência ilícita (security).
Identifica-se, portanto, dois elementos basilares de toda a estrutura que dará suporte às atividades dos provedores de serviços do sistema aeroportuário: em primeiro lugar, a edição dos regulamentos, por parte da ANAC, com o estabelecimento dos requisitos de safety e de security e de material de suporte complementar, para auxiliar os provedores na implementação destes requisitos. O segundo, trata-se da permanente fiscalização da ANAC sob todo o universo de provedores que atuam no Sistema Aeroportuário, para assegurar a existência de adequados níveis de safety e de security nas atividades aeroportuárias.
Desta forma, antes da implementação de um processo de concessão de aeroportos à inciativa privada, é preciso estabelecer, com urgência, sólida regulamentação técnica para o setor, bem como estabelecer mecanismos para uma efetiva e permanente fiscalização dos provedores aeroportuários.
Por outro lado, seria ingenuidade não considerar que todas as decisões desta magnitude têm componentes políticas, porém, tais componentes já estão devidamente contempladas no papel do Conselho Nacional de Aviação Civil (CONAC), colegiado de autoridades do Executivo Federal a quem compete estabelecer o modelo de concessão de infra-estrutura aeroportuária, a ser submetido ao Presidente da República.
É, igualmente imprescindível, não se olvidar o que sabiamente o legislador fez constar do diploma legal que criou a Agência Reguladora da Aviação Civil do Brasil, atribuindo à ANAC a participação, junto ao CONAC, no processo de estabelecimento do modelo de concessão de infra-estrutura aeroportuária e a competência de conceder a exploração desta infra-estrutura.
Não paira, portanto, qualquer dúvida de que o caminho correto para uma boa gestão do sistema foi delineado pelo legislador, desde que a ANAC cumpra suas responsabilidades na edição de sólida base de regulamentação técnica para o Sistema Aeroportuário e na fiscalização dos seus provedores, assim como desde que seja cumprido e respeitado o papel independente daquela autarquia federal.
Cumpre-me, porém, manifestar o temor de que, durante o processo de elaboração do modelo de concessão, as ingerências em temas de responsabilidade intransferível da ANAC acabem por levar ao estabelecimento de parâmetros de avaliação dos futuros concessionários dos aeroportos brasileiros que não considerem, com suas devidas importâncias, os aspectos de safety e de security. Seria inadequado, por exemplo, privilegiar parâmetros de conforto dos passageiros nos terminais, em detrimento de outros parâmetros que zelem pela observância de requisitos operacionais que proporcionem os níveis mínimos de safety no lado ar. Não se nega a relevância de se exigir conforto nos terminais, entretanto, deveria ser conferido um peso significativamente maior aos aspectos relacionados à preservação da vida humana.
É compreensível que um passageiro avalie a qualidade do provedor pelo conforto percebido na sala de embarque e não perceba o valor de uma adequada manutenção do pavimento aeroportuário. No entanto, seria imperdoável ver agentes públicos míopes ou seduzidos pelos objetivos imediatos de políticas oportunistas desconsiderarem ou menosprezarem aspectos essenciais para a garantia de níveis mínimos de safety e de security nos aeroportos brasileiros.
Oxalá, sejam infundados meus temores e que nunca se confirmem.
